Ai o meu estômago!

Torna Grande de 1992. Deixou-se beber e caíu muito bem :)

Este texto é parte de uma carta (particular) a contar desta coisa que são os vinhos. E que vinhos escolher-mos para beber. Foi escrita por um expert, de sua graça Pedro.

.../ «Há pelo menos três componentes no vinho honesto, que podem irritar uma mucosa gástrica maltratada: os taninos, o álcool e os sulfitos. Chamo vinho honesto ao que não passa por processos de "beneficiação" mais ou menos artificiais, que até podem ser o simples envelhecimento em barricas de carvalho novas, como se faz muito por aí e que se destinam a adicionar ao vinho aromas (baunilha, canela e outras "madeiras") que o vinho por natureza não tem, pelo menos em quantidades palatais.

O álcool é essencial à conservação e paladar do vinho. Para mim, o ideal será andar entre os 13 e 13.5º porque facilita a conservação sem adição de anidrido sulfuroso na trasfega e engarrafamento. Para ti este deve ser um teor muito grande, por isso há que ter o estômago bem forrado antes do primeiro copo. Se comeres uma sopa primeiro ou acompanhares o início da refeição com água, deve ajudar. Acho preferível um vinho forte em álcool do que fraco e estabilizado com conservantes.

Os taninos estão presentes essencialmente no engaço. Os vinhos destinados a envelhecimento sofrem macerações prolongadas para absorção dos taninos e são intragáveis nos primeiros anos. Com o envelhecimento há precipitação dos taninos e alteração dos cristais (os que tu vês no depósito), o que diminui a adstringência. Os taninos são irritantes para as mucosas.

Os sulfitos provêm da adição de anidrido sulfuroso, ou como se diz agora, dióxido de enxofre (SO2). Esta adição é imprescindível a vinificação para controlar as bactérias passíveis de produzir fermentações lácteas, que fodem o paladar do vinho. Também ajuda à extracção dos aromas. Isto nos vinhos honestos. Nos vinhos comerciais particularmente no caso de vindima mecânica ou de manipulação descuidada das uvas, como o transporte em tinas, etc.

O anidrido sulfuroso é adicionado à bruta logo à entrada da adega. Nos vinhos de marca ainda se junta mais em quantidades industriais para matar a levedura contida na uva, sendo depois usadas na fermentação leveduras industriais ( sempre as mesmas ), de modo a manter um paladar constante ao longo dos anos.

No estômago parte dos sulfitos transforma-se em ácido sulfuroso.

Nos vinhos destinados ao envelhecimento, junta-se mais nas trasfegas, que são muitas e no engarrafamento. Daqueles caros, se um gajo bebe uma garrafa de 7 1/2, apanha uma dor de tola que até tem pesadelos com a Manuela Ferreira Leite.

Depois, as vinhas são adubadas geralmente com lamas de ETAR. O que aí vai em metais pesados e outras merdas está fora de controlo. Os tratamentos fitossanitários também são preocupantes.
Por isso recomendo-te o vinho de produção artesanal onde te permitam ver o processo de vinificação e o tratamento da vinha. Sei que aqui na zona já há produtores desses. Os vinhos que tenho provado não são lá grande coisa, mas fazem de certeza melhor que os outros.
Estou também em crer que os vinhos velhos, por via da oxidação, perdem as propriedades redutoras.
Por isso bebe preferencialmente vinho honesto:
Vinhos com teor de álcool entre os 12 e 13º, porque é equilibrado entre álcool e sulfitos.
Vinhos novos, porque têm macerações curtas e poucos taninos.
Vinhos tintos, que não sofrem processos químicos de clarificação e são menos ácidos.
Vinhos feitos com vindima manual em caixas.
Vinhos feitos pelo processo de maceração carbónica - estes são muito raros, mas a Quinta de Vale Pequeno é produtora.
Vinhos estabilizados em cuba de Inox ou madeiras velhas.

O vinho sabe a vinho, ou quando muito tem sabor a maçãs (fermentação malolactea incompleta, logo vinho branco ou de má qualidade), ou aldeídos comuns a frutos vermelhos, ameixas e por aí fora. Vinhos com aromas de baunilha, canela, etc. são estagiados em barrica nova (dizem eles, mas levam é aparas de madeira, digo eu, se não tiver bondex ou cuprinol já não é mau ). Aromas a terra fresca e sémen de ornitorrinco ou outras porras, pior ainda, indicam fermentações, parasitas e por aí fora.

Bebe que te faz bem, mas coisas tenrinhas, deixa os moribundos para os novos ricos, vinho é vinho, é para beber uns copos com o cozido à portuguesa ou com a bela sardinha assada, lampreia, cabrito, não é para beber um dedal no fundo dum copo de litro a acompanhar um prato do tamanho de uma roda de camião mas que só tem uma poia de comida insípida no meio, que metade fica agarrada aos dentes e depois dizer que o vinho sabe a figos da Etiópia ou a folhas frescas de amendoeira do Cazaquistão.»...

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O último parágrafo é de uma actualidade pungente.

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